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Artigos para melhorar a sua qualidade de vida

O mito da boa comunicação nos relacionamentos emocionalmente negligentes

Os relacionamentos amorosos têm grande influência em nosso bem-estar, pois nos afetam mesmo se não estivermos conscientes desse impacto. Neste sentido, os filhos adultos de pais emocionalmente negligentes (narcisistas, imaturos etc.) têm maior probabilidade de não perceberem quando não tem as emoções, necessidades e vontades atendidas pelos parceiros amorosos. Como resultado dessa falta de consciência, abordam os problemas do relacionamento sem saber quais são.

O mito da boa comunicação nos relacionamentos emocionalmente negligentes
A boa comunicação não é a unica característica dos relacionamentos saudáveis

Ressalta-se que a “boa comunicação” é considerada como a característica primordial para vivenciar bons relacionamentos; e é nisso que a maioria das pessoas acredita. De fato, embora a boa comunicação esteja frequentemente presente como uma variável em relacionamentos saudáveis, não é, apenas, isso que os faz funcionar. Existem outros fatores que contribuem para o seu sucesso, tais como o amor, a atração sexual, a intimidade (não somente a física, mas também a emocional), o respeito pela autonomia, entre outros. Nas relações funcionais, existe um esforço consciente e uma vontade de ver, sentir e ouvir o outro. A consciência emocional não está presente apenas em nível individual, mas também orienta a compreensão do indivíduo sobre as necessidades do parceiro.

Eu ouço você, mas não valido as suas necessidades

O esforço consciente para melhorar um relacionamento através de uma comunicação melhor tende ao fracasso nos relacionamentos emocionalmente negligentes se a negligência não for identificada e abordada. Um indivíduo pode aprender como se expressar perfeitamente, como usar as palavras de sentimentos e vinculá-las a comportamentos e pensamentos para ajudar a aumentar a consciência do outro (“quando você _____ (comportamento), eu sinto _____ (sentimento) e penso _____ (pensamento)”) e, ainda assim, não se sentir visto, ouvido ou sentido pelo parceiro. Se não há a intenção ou o esforço real do parceiro de se conectar emocionalmente e validar as necessidades do outro – na prática – a boa comunicação, por si só, não resultará nos benefícios prometidos.

Se você está passando por um momento difícil no seu relacionamento, considere a negligência emocional como um fator provável e reflita sobre o tipo de conexão que você tem consigo próprio e quanta importância dá aos seus sentimentos, desejos e necessidades. Faça o mesmo com os sentimentos, os desejos e as necessidades do parceiro. Aprenda a se expressar, caso sinta que não sabe como fazê-lo; e, além disso, reserve um tempo para entender o parceiro. Acima de tudo, observe o que acontece quando a comunicação vai bem se há mudanças positivas. Se os mesmos problemas continuarem a surgir, e as suas necessidades (ou as do parceiro) permanecerem não atendidas, está na hora de abordar a negligência emocional com mais cuidado e atenção.

5 sinais de que o seu problema de peso está relacionado a um trauma

5 sinais de que o seu problema de peso está relacionado a um trauma
As vítimas de abuso emocional, negligência física e/ou abuso sexual são mais propensas a recorrerem à comida para equilibrarem as emoções

A conexão entre os maus comportamentos alimentares, como a restrição calórica e o vício alimentar, e o trauma é amplamente aceita (vide pesquisas abaixo). Portanto, caso tenha dificuldade de manter um peso saudável, é fundamental saber que apenas uma mudança na dieta pode ser insuficiente para produzir efeitos duradouros. Para se tornar ciente de como a saúde mental afeta o seu relacionamento com a comida, elenca-se 5 sinais de que o seu problema de peso está relacionado a um trauma:

1- Você come de forma emocional para se sentir melhor. A alimentação emocional é motivada pelos sentimentos negativos dos eventos traumáticos que ficam armazenados no corpo, como a solidão, o cansaço, a ansiedade, a tristeza, a vergonha, a culpa e a raiva. As vítimas de abuso emocional, negligência física e/ou abuso sexual, por exemplo, são mais propensas a recorrerem à comida para equilibrarem as emoções e lidarem com o estresse traumático (Kong et al., 2009). Conforme Stojek et al. (2019) esclarecem: “De uma perspectiva psicológica, consumir alimentos com alto teor calórico que estimulam o neurocircuito de recompensa é uma poderosa estratégia de regulação emocional em resposta ao aumento do estresse”.

2- Você se alimenta de forma desregrada para desafiar a autoridade. Você expressa a raiva dos pais abusivos e o controle do próprio corpo comendo demais ou de modo irresponsável para não se submeter a dietas rígidas e aos padrões de beleza.

3- Você se alimenta pouco para desafiar a autoridade. Você expressa a raiva dos pais abusivos e o controle do próprio corpo fazendo dieta e torna-se mais magro para provocar-lhes inveja ou ressentimento por sua autonomia e perda de peso.

4- O seu sobrepeso faz com que se sinta seguro. Você se sente mais forte e menos vulnerável ao abuso quando está fisicamente maior ou “invisível” a fim de protegê-lo da atenção alheia.

5- Você é viciado em açúcar. O trauma do desenvolvimento mal resolvido e o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) “comumente ocorrem de forma simultânea com o vício” (Flanagan et al., 2016). O açúcar é usado para aliviar o estresse traumático, propósito observado no uso de outras substâncias viciantes, tais como o álcool e as drogas.

Uma abordagem consciente do trauma revela-se essencial se estiver empenhado em superar um distúrbio alimentar ou administrar o peso de maneira eficaz. Para um resultado de sucesso, combine uma dieta saudável com o tratamento psicológico de traumas não resolvidos e trate a saúde integralmente, da cabeça aos pés.

Referências:

Kong S, Bernstein K. (2009). Childhood trauma as a predictor of eating psychopathology and its mediating variables in patients with eating disorders. Journal of clinical nursing. 18. 1897-907. 10.1111/j.1365-2702.2008.02740.x.

Flanagan JC, Korte KJ, Killeen TK, Back SE. Concurrent Treatment of Substance Use and PTSD. Curr. Psychiatry Rep. 2016 Aug;18(8):70. (doi: 10.1007/s11920-016-0709-y. PMID: 27278509; PMCID: PMC4928573).

Stojek MM, Maples-Keller JL, Dixon HD, Umpierrez GE, Gillespie CF, Michopoulos V. Associations of childhood trauma with food addiction and insulin resistance in African-American women with diabetes mellitus. Appetite. 2019 Oct 1;141:104317. (doi: 10.1016/j.appet.2019.104317. Epub 2019 Jun 8. PMID: 31185252; PMCID: PMC6629477.)

De onde vem a crença “eu não sou bom o suficiente”?

De onde vem a crença “eu não sou bom o suficiente”?
Quando a crença negativa “eu não sou bom o suficiente” está ativa, sentimo-nos inseguros e duvidamos de nós próprios

Quando a crença negativa “eu não sou bom o suficiente” está ativa, sentimo-nos inseguros, duvidamos de nós próprios e questionamos nossa inteligência e competência. Além disso, tornamo-nos hipervigilantes e dependentes de aprovação externa para nos sentirmos menos ansiosos. Se deseja obter mais controle sobre esse processo, recomendo fazer a ligação entre essa crença fundamental e o trauma infantil não resolvido. As experiências adversas, como sofrer bullying na escola, contribuem para fortalecer essas crenças negativas. Quando essa conexão é encontrada, encontra-se em uma posição favorecida para quebrá-la e livrar-se de seus efeitos na sua autoestima.

Contudo, se não sabe por onde começar, elencam-se exemplos de eventos traumáticos vividos na infância que resultam na crença de que não se é bom o suficiente na idade adulta:

– As suas notas escolares, mesmo quando muito boas ou excelentes, nunca foram boas o suficiente para os responsáveis pelo seu cuidado. Quando as compartilhava com eles, perguntavam quem mais as obteve ou se era o primeiro ou o segundo melhor da sua classe.

– Os responsáveis pelo seu cuidado não estavam emocionalmente presentes quando compartilhava as notas escolares com eles. Os seus esforços não eram nem validados nem rejeitados por eles, pois simplesmente não estavam interessados o suficiente para se importarem com isso.

– A sua escola e/ou professores era(m) ignorante(s) ou não possuíam ferramentas corretas para lidar com a sua vulnerabilidade psicológica, tal como o Transtorno de Déficit de Atenção ou Asperger. Você se sentia mal por ser diferente, solitário e até alienado por não ter apoio.

– Você estava com fome, cansado, raiva e/ou medo/ansioso para conseguir se concentrar na escola. Você tinha dificuldade de se concentrar e/ou não tinha estrutura para aprender como os colegas.

Como o seu cérebro construiu essa noção de que não é bom o suficiente? Quais são os eventos negativos que funcionam como “prova” da sua suposta incompetência? Vá para um lugar privado e concentre a atenção na respiração por 1 minuto. Em seguida, conecte-se com o corpo, da cabeça aos pés. Estabeleça a intenção de ser guiado por ele para encontrar uma conexão entre “eu não sou bom o suficiente” e um evento adverso da infância. Por fim, observe onde isso o leva. Depois do seu cérebro remeter-lhe a uma imagem, permita-se sentir-se presente com ela. Observe os efeitos que provocam em sua psique, no corpo e nas emoções. Repita essa prática em dias diferentes até que a imagem não tenha nenhum efeito negativo sobre você.

O autocuidado requer esforço

O autocuidado requer esforço
A meditação, os exercícios respiratórios, a ioga e a alimentação saudável são práticas de autocuidado.

É comum entre aqueles que investem na saúde mental e física saberem do que se trata o autocuidado. Como conselheira de trauma, falo abertamente com meus clientes sobre a importância de uma rotina de autocuidado, que compreende práticas regulares para promover o bem-estar, tais como: a meditação, os exercícios respiratórios, a ioga, a alimentação saudável, a caminhada e a higiene pessoal, por exemplo. Quando os incorpora com sucesso na sua rotina diária, pratica um bom autocuidado. Quem pratica o autocuidado, regularmente, sente-se mais equilibrado e menos suscetível à sobrecarga emocional.

Se cuidar de nós nos faz tanto bem, por que não o fazemos? Por que precisamos ser lembrados por nossas terapeutas da importância de mantermos uma rotina de autocuidado? Porque o autocuidado, para a maioria de nós, exige esforço. Tratar-se com cuidado pode ocorrer naturalmente, em especial para aqueles que sofreram negligência e abuso durante o crescimento e desenvolvimento. As vítimas do trauma complexo tendem a ter uma relação complicada com o corpo. Para esses indivíduos, negligenciar e até abusar de si próprio pode parecer mais instintivo do que adiar a gratificação para priorizar a saúde a longo prazo.

A hipervigilância – um efeito comum do trauma da infância – faz com que a pessoa se sinta constantemente em alerta máximo ou presa no modo de luta ou fuga. Aqueles que sofrem de hipervigilância são propensos ao armouring (tensão em várias partes do corpo), à preocupação excessiva e à ansiedade. Os corpos hipervigilantes também são inquietos e impacientes, portanto, a meditação diária, para alguém assim, representa um esforço gigantesco. Nesses casos, focar na respiração e observar os pensamentos sem julgamento parece contraintuitivo, quando tudo o que se quer fazer é se levantar e se distrair.

Se você é um sobrevivente do trauma do desenvolvimento/infância, ou sofreu negligência e/ou abuso, é imprescindível que seja gentil consigo próprio. Embora o autocuidado seja bom, não significa dizer que é fácil de fazer. Provavelmente, você achará difícil incorporá-lo à sua rotina diária e, ainda mais difícil, mantê-lo. Não desista. Mais importante ainda, não se castigue por não conseguir acertar logo de cara. Dê tempo a si próprio. Você está ensinando o seu corpo um novo truque – algo que não conhece – então, dê um tempo para que se acostume. Com a prática, você começará a desfrutar dos benefícios de se tratar com cuidado, amor e respeito. Seja paciente e confie no processo.

 

O seu cérebro hipervigilante não é seu amigo

O seu cérebro hipervigilante não é seu amigo
O cérebro hipervigilante está sempre em alerta

Como seres pensantes, exibimos uma tendência natural de acreditarmos nos pensamentos e confirmarmos as nossas visões tendenciosas, além de nos sentirmos seguros quando as nossas teorias sobre o mundo, nós mesmos e as outras pessoas parecem ser verdadeiras. No entanto, a realidade – assim como os seres humanos – é extremamente complexa. Em nossa ânsia de nos acalmarmos com a ajuda do intelecto, deixamos de levar em consideração diversas variáveis que influenciariam a nossa compreensão da realidade. Limitamos a nossa percepção ao que já sabemos para nos sentirmos seguros, mesmo quando esse conhecimento não favorece o nosso bem-estar.

Essa tendência se pronuncia no cérebro traumatizado. Para as vítimas do trauma relacional, por exemplo, abordar os relacionamentos com a neutralidade e sem levar para o lado pessoal é um desafio, pois sofrem com a hipervigilância.  Num constante estado de atenção ao perigo – modo luta ou fuga – se protegem contra a dor, algo que conhecem tão bem. Para se sentirem seguros, confiam nas explicações sobre a ansiedade e insegurança que seus cérebros produzem com rapidez e aparente eficiência. Você está desanimado com a ideia de conhecer novas pessoas? Provavelmente, porque vão rejeitá-lo. Esse pensamento negativo e irracional, inclusive quando prejudicial à saúde mental e relacional, ajuda os socialmente ansiosos a se equilibrarem. Assim que a ameaça é extinguida (conhecer novas pessoas), não há mais perigo nem fonte de preocupação.

Portanto, o seu cérebro não é, necessariamente, seu amigo nem está sempre certo, em particular quando está traumatizado e hipervigilante – independente de quão convicto se sinta em relação aos pensamentos. Quando se torna consciente disso, a sua vida muda. Se sofreu com o trauma num relacionamento, desconfie muito do que o seu cérebro tem a dizer sobre as outras pessoas. Lembre-se de que tenta protegê-lo, de uma forma rígida e imperfeita. Observe os seus pensamentos de mente aberta e se esforce para considerar novas perspectivas. Não dê crédito, de saída, às teorias negativas que tentam convencê-lo a não confiar em ninguém e tolere o desconforto que surge ao se entregar ao desconhecido, com uma fé cega na própria competência e bondade dos seres humanos. Questione a resistência do seu cérebro em permiti-lo a aprender com a experiência. Você consegue tolerar a dor, caso surja, bem como superá-la com força emocional e maturidade.

Reconectando-se com as necessidades não atendidas: o alarme da raiva

As emoções são ferramentas poderosas que ajudam a nos conectarmos com o ambiente, com as outras pessoas e conosco. As emoções como a culpa e a raiva alertam-nos sobre os efeitos das nossas próprias ações e das ações dos outros. Quando percebe que as suas palavras magoaram alguém, por exemplo, sente-se culpado e, às vezes, com raiva de si próprio, o que o motiva a desculpar-se pelo ocorrido para reparar o relacionamento. Portanto, as emoções negativas também desencadeiam ações que levam a mudanças positivas.

Reconectando-se com as necessidades não atendidas: o alarme da raiva
A raiva ajuda-nos a identificar as necessidades não atendidas.

Embora a culpa seja considerada uma emoção negativa, os efeitos positivos dos comportamentos que desencadeia são reconhecidos pela maioria. Infelizmente, essa atitude tende a não se aplicar à raiva, pois é amplamente mal compreendida, julgada indiscriminadamente, considerada destrutiva ou apenas um impulso a ser controlado. Apesar das demonstrações agressivas de raiva dificilmente passarem despercebidas, isso não ocorre com as suas causas. Contudo, as formas de expressão da raiva abusiva não devem dominar a narrativa e erradicar o propósito desta emoção.

O alarme da raiva

A raiva ajuda-nos a identificar as necessidades não atendidas. A raiva seguida de sentimentos de rejeição, por exemplo, lembra-nos da necessidade de sermos amados. Quando sentimos raiva por não atingirmos os objetivos, nós nos conectamos com a necessidade de criar um significado para a vida. Sentir-se amado e viver uma vida significativa aumentam o bem-estar, o que promove a saúde física, emocional e relacional.

A raiva também nos permite reconhecer quando os limites não são honrados. Quando dizemos não e não somos ouvidos, sentimo-nos sem importância e desrespeitados. Sentir-se menos ou alienado conecta-nos com a necessidade de valorização e pertencimento. Quando a nossa existência é validada, há um grande aumento não só do nosso senso de conexão conosco e com os outros, bem como da vontade de se engajar com a vida.

Em The Surprising Purpose of Anger: Beyond Anger Management, Finding the Gift, Rosenberg (2005) destaca a raiva como um meio de alerta, cuja função é chamar a nossa atenção para as necessidades a serem atendidas. Em face disso, o autor sugere mudarmos o foco do julgamento de nós mesmos e dos outros, quando estivermos sob a influência da raiva, para o que precisamos e queremos.

Para além da raiva

Um relacionamento saudável com a raiva é aquele que nos permite ver além dela. A raiva é altamente energizante e até viciante, pois desencadeia os sentimentos de força, honradez e legitimidade, desta forma, precisamos de treino árduo para resistir à atração de nos movermos nessa direção. Uma atitude consciente em relação à raiva ajuda-nos a concentrarmos no que realmente importa: identificarmos e nos conectarmos com as necessidades não atendidas, sejam nossas ou de outras pessoas. Embora produtivo,  esse processo não se concretiza da noite para o dia, mas requer prática. Para criarmos uma relação saudável com a raiva, devemos nos permitir vivenciar esse processo e, inclusive, cometer erros, durante um período razoável, até que se torne internalizado.

Referência:

Rosenberg, M. B. (2005). The Surprising Purpose of Anger: Beyond Anger Management: Finding the Gift. PuddleDancer Press.